Certamente você já ouviu um ditado popular que diz algo assim: ” Uma mentira contada frequentemente torna-se uma verdade”. Quando um sacerdote e literato como Pai Alexandre Cumino decide escrever uma obra com este título Exu não é Diabo, cria-se um imenso ponto de interrogação. Afinal, a quem se destina este livro? Ao umbandista? Mas o umbandista não sabe disso? Ou ao público leigo? Mas o leigo se interessa por isso?
O que de fato incomoda, lá no fundo, esse autor? Esse título é um grito de libertação? É a mais sincera expressão e ponto-final desse assunto que assombra o sacerdócio desse autor? O que motiva esse mestre espiritual trazer à luz esse seu filho que já nasce cheio de rebeldia?
Eu sei, leitor, que você está ansioso para iniciar a leitura e se depara com um prefácio cheio de questionamentos, mas sua atenção aqui será importante para esta viagem deliciosa que será o pensar sobre a invenção do Diabo, o que endiabra você, que é sua expressão mais feia e que assume o seu pior reflexo.
O Diabo é uma invenção estratégica e você compreenderá isso perfeitamente ao longo desta leitura. Do mesmo modo inventaram o ” capiroto” também perversamente criaram a mentira de que Exu é sinônimo de Diabo. E isso foi há bastante tempo; tem data, registro e estratégia.
Pois é, vou sintetizar: Adjai é o nome de um nigeriano escravizado em solo pátrio e capturado pelos ingleses em 1822. Nessa ocasião, Adjai tinha 13 anos, foi adotado e criado pela Sociedade Missionária Anglicana e, ao ser batizado por essa igreja cristã, recebeu o nome de Samuel Adjai Crowther.
Educado e ordenado padre, Crowther tornou-se um expoente intelectual e de relevante importância acadêmica, tendo iniciado a primeira gramática da língua yorubá. Ordenado o primeiro bispo negro da história, Crowther transcende e participa da constituição da primeira versão da Bíblia Sagrada para o yorubá, em 1900. Fazia parte da sua estratégia e longa missão de divulgação da “obra do Senhor” em solo africano.
O detalhe é que para se traduzir algo você precisa recorrer a uma gramática, e eis que então lá na Gramática Yorubá, curiosamente dirigida por Crowther, qual era o sinônimo da palavra Diabo? Acertou se respondeu Èsu. Inclusive basta uma pesquisa no tradutor do Google de português para iorubá: coloque a palavra diabo e veja o que sai.
Imagine o impacto que é para um povo ser convertido e ler a “palavra do Senhor” dirigir-se ao Diabo usando o termo Exu. Pronto! Não precisa muito discurso, a confusão está feita literalmente sacramentada; para o fiel a lógica é simples: se está na Bíblia, então é inquestionável.
O desdobramento dessa perversa estratégia faz um culto fortíssimo, que era o culto a Exu, perder força e credibilidade nesse colapso teológico. Esse desserviço histórico para a cultura da humanidade sob prisma bíblico perdurará ainda por muito tempo, mas fato é que, desde então, existe aí um subsídio para alimentar não só a crença no Diabo, mas também a de que Exu é o Diabo.
Mais de um século depois, com muita divulgação, mídia e confusão, eu respondo agora aos questionamentos levantados no início. Muitos umbandistas pensam como católicos e, portanto, acreditam no Diabo . E mesmo que não confessem, ao incorporar Exu, dado seu imaginário mais profundo, o que se revela ali é uma persona do “dito-cujo”. Portanto, é certo afirmar que muitos umbandistas fiquem confusos ao ler o título desta obra.
Se um dia Exu virou Diabo, é dever de todo honesto conhecedor das religiões e fundamentalmente da Umbanda, tal como Pai Alexandre Cumino, dedicar todo esforço necessário para explicar, divulgar e fazer saber que EXU NÃO É DIABO.
No entanto, Pai Alexandre Cumino o faz com todo seu brilhantismo de sempre. Aqui, muito além de entender de uma vez por todas que Exu não é o Diabo, você será provocado por meio de evidências a ter de rever tudo o que um dia acreditou sobre o “coisa-ruim”.
Você será outro ao final desta leitura. Parabéns por ser permitir à liberdade de consciência!
Por Pai Rodrigo Queiroz ( Prefácio do Livro Exu Não é o Diabo – Autor: Alexandre Cumino- Ed. Madras)
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